Foto: Sebastião Salgado (Reprodução do livro Terra) Frei Damião evangelizando.
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Muitas tradições se vão perdendo em
nosso país. É o caso daquela que é conhecida como missionária. Missionários
foram aqueles homens que devotaram as suas vidas a causa da bem-aventurança e
por essa razão foram consagrados pelo povo como Santos vivos. Pelos Sertões
adentro Padre Cícero Romão e Frei Damião de Bozzano, foram os nomes mais
famosos dessa tradição no século XX. Antes desses, outros os precederam, é o
caso de: Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro, e talvez o mais
antigo de todos, Frei Vidal da Penha, famoso missionário do Século XVIII que em
uma de suas profecias previu que: “o
sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão”. Mais tarde, pela lei da convergência,
o Conselheiro fará recair sobre si a lenda de que será ele, o autor dessa
previsão. Em derredor desses nomes cresceu e prosperou uma veneração coletiva,
alimentada pela crença popular nas qualidades espirituais desses homens, e
claro, no temor infundido por eles em profecias que previam o fim das Eras. Segundo alguns dos seus inúmeros
fiéis, a simples presença deles entre o povo, era capaz de suspender os muitos
e agonizantes males, que afligiam os atormentados flagelados da seca, da fome e
das injustiças sociais e os reconduzirem à paz e à serenidade, diante das durezas
do Nordeste. Por essa razão acorriam a eles multidões exaltadas. Querendo fugir
do inferno terrestre, ávidos campesinos buscavam as intervenções dos
taumaturgos, na firme certeza de que com isso, estariam amenizando o seu fardo.
Câmara Cascudo, ao que me consta não escreveu sobre Frei Damião, mas sobre
Padre Cícero não poupou tinta. Sobre o Padim
Padi Ciço, como era carinhosamente chamado pelo povo o Padre de Juazeiro, Câmara
Cascudo escreveu em Vaqueiros e Cantadores, que ele: “não educou nem melhorou o nível moral de seu povo. Antes, desceu-o a
uma excitação febril, guardando segredos de perpétua irritação coletiva, para
mais decisiva obediência geral”.
Criticou ainda o padre, pela indulgência com que este tolerava os
desmandos dos poderosos contra os menos favorecidos e seu ânimo bizarro por
alimentar sobre si uma “onda fanática de
‘romeiros’ e beatos...”. Escusadas as críticas aos missionários, o certo é
que eles se confundiram com a história do Nordeste, e não há hoje, como tirar-lhes
a importância que o povo serenamente lhes foi consentindo. Quando pequeno, na Paraíba, eu mesmo
testemunhei por duas ocasiões a devoção do povo a esses missionários. Na década
de 80 a minha avó me levou ainda criança para uma das missões do Frei Damião. As
Missões eram, o nome atribuído pelo Frei Damião ao seu estilo de evangelização.
Elas se caracterizavam por um certo ritual. Anunciava-se a chegada do Frei à
cidade. Ao cair da tarde, o missionário era recebido e conduzido, geralmente em
carreata, à igreja matriz, ali dirigia as primeiras palavras à multidão que o
esperava, sedenta para ouvir as suas prédicas. Lá em casa ainda são recorrentes
as lembranças desse encontro. Sempre que nos reunimos a minha avó gosta de
lembrar que fui abençoado pelo missionário. Mais tarde um pouco mais velho, mas
ainda criança, vi e assisti uma das missões do Frade na cidade de São Bento,
interior da Paraíba, cidade onde passei a infância. A figura do personagem domador
de valentes e guia de almas, nunca mais me saiu da memória. Ao escrever esse
testemunho lembro vivamente o fervor do povo que sobre os cantos de “Frei Damião meu bom Frei Damião /O seu
perdão numa confissão faz um bom cristão /Frei Damião meu bom Frei Damião / Eu
sou nordestino, eu estou pedindo a sua benção...”, recebiam
entusiasticamente o Frei Capuchino. Os versos são de Janduhy Finizola e ficou
famoso na voz de Luiz Gonzaga que na década de 70 gravou a música Frei Damião. Esta não é a única
homenagem do Rei do Baião ao missionário. Uma década antes Gonzaga gravou a música
Meu Padrim (Frei Damião), uma
composição do Frei Marcelino de Santana. Há ainda no Nordeste Brasileiro uma
vasta produção literária dedicada ao Frei Capuchino e aos outros missionários. Recentemente
encontrei por acaso no livro do fotógrafo Sebastião Salgado uma linda
fotografia que retrata o Frei em missão de evangelização. A foto como era de se
esperar é perfeita. Sobre ela podemos pousar o olhar e nos demorar longamente. Ela
capta a atmosfera de devoção do povo ao Santo homem, que entre eles andou. Os pormenores
que o autor incorpora na imagem: os pés descalços do Frei, a sandália abrigada
ao pé do púlpito improvisado, a atenção no olhar dos homens, e mais o contraste
do preto-branco da imagem que sugerem incontáveis coisas, fazem com que a foto
não passe indiferente. Música, Literatura, Fotografia, fé, religiosidade, uma
vastidão de manifestações atestam a importância incontestável desses
impressionadores de multidões.
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Observação: A imagem que ilustra essa
postagem foi retirada do livro Terra do fotógrafo Sebastião Salgado. Sendo essa imagem objeto de direitos de autor,
e a tal publicação o seu titular se oponha, ela será removida do blog, logo que
recebida notícia do fato. Desde já o autor do blog explica que não há, na
publicação da foto, qualquer intenção comercial. Esperando com isso não receber
nenhuma restrição pela publicação.
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