Henrique Manuel Bento Fialho - Petardo anti-sonolência.

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Só há paz possível e algum alento à modorra cotidiana, na arte. Depois de uma semana sisífica volto a ler o Henrique M. Bento Fialho. Como sempre ele atira contra mim e as convicções bovinas um petardo anti-sonolência. Sua poesia é um despertar das ilusões, um chamamento às consciências. Vai dai que alguns, convictos panglosianos da normalidade social, não enxergarão grande coisa nesses versos. Tenho, porém comigo a plena convicção de que muitos daqueles que pressentem algo de tortuoso e desajustado na política, na sociedade e na cultura contemporânea sentirão neles uma verdade inconveniente. E são de inconvenientes contra as correntes que nos arrastam pela “torrente dos dias” que são feitos os versos desse português arisco ao convencionalismo. Ao contrário de seus compatriotas, Henrique suspeito de cada gesto da vida moderna. Sem maneirismo ou figuras obscuras sua poesia dispensa o vocabulário insólito “sobre amores-perfeitos,/ Cidades ardidas, noites melancólicas... para percorrer os caminhos da vida com a sinceridade que rareia em todas as esferas sociais. Implacável contra a complacência que reina nas relações humanas, Henrique, na contramão daqueles que não dispensam uma sinecura, sentencia: Prefiro um emprego honesto à suinicultura/ Dos salões nobres, das universidades vazias. Até conhecer a poesia do Henrique Manuel Bento Fialho eu não sabia que era possível escrever poesia com tanta agudeza e ferocidade de espírito.



Não quero ser poeta num país onde os poetas
Estão ao nível dos secretários de estado,
Escrevem com o giz remoído das unhas

Versos de encantar musas imberbes
E olham para o lado, fingindo que não vêem,
Sempre que passam pela própria sombra.

Prefiro um emprego honesto à suinicultura
Dos salões nobres, das universidades vazias,
Dos colóquios a meia-luz nos jardins da fundação.

Um emprego honesto pode ser: plantar
Cornucópias na testa do consumo, regar
Palavras a esmo, lavrar as alcatifas poeirentas

De uma livraria mainstream arrastando os pés
Das mesas carregadas de lixo, como arrastados
Vamos nós na torrente dos dias.

Ou talvez arrumar crises nas prateleiras da austeridade,
Enquanto do outro lado do mostruário
Os poetas do meu país escrevem sobre amores-perfeitos,

Cidades ardidas, noites melancólicas e coisas assim
Fodidas.

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