A PROPÓSITO DAS ELEIÇÕES


Todos os anos durante as eleições assistimos a um fenômeno de degeneração política. Enquanto no resto do tempo de nossas vidas comezinhas, a política e os assuntos de política não passam de serem ignorados por quase todos, durante o pleito, essas discussões incendeiam os encontros de amigos; comparecem aos almoços de família, freqüentam os intervalos das orações religiosas e ocupam a maior parte das discussões durante o dia das pessoas, seguindo até cortejos fúnebres. Por instantes tem se a impressão de que finalmente a definição vocabular para política: “a arte de bem governar os povos” ou “conjunto de objetivos que informa determinado programa de ação governamental e condiciona a sua execução”, deixou, de ser um mero adereço retórico e passou a ter algum sentido vivo. No entanto, ao nos depararmos com o primeiro grupo politicamente entusiasmado, vemos que o que eles discutem realmente, responde por outro nome. Aquilo a que por comodidade chamam de política, é na verdade mexerico, intriga, conchavo, politiquice, zona. No fundo ainda reina no nosso país a arraigada convicção de que política é não respeitar o direito à diferença de opinião e receber favores em troca de apoio – pode ser em galões de combustível ou em materiais de construção – com a desculpa de que todos fazem isso, e por fim torcer por algum cargo comissionado. Teoricamente somos todos contra a corrupção. Mas quase todos somos corruptos se da corrupção retirarmos vantagem e, quase nenhum de nós se mobiliza contra a corrupção, exceto se os resultados da corrupção perturbarem de modo sensível a nossa qualidade de vida. A lingüística ensina-nos que o sentido das palavras muda com os usos que fazemos dela. No livro Os Lusíadas, por exemplo, a palavra ministro referia-se ao grumete, ou seja, era usada para definir os homens que faziam as atividades inferiores durante as viagens. Hoje podemos desconsiderar esse sentido. Ministro passou a ser relacionado a homens que ocupam altos cargos nos governos ou em congregações religiosas e que supostamente guardam alguma qualidade que os diferem de criados de navios. O uso define o entendimento. Por isso, a continuar fazendo uso de política no sentido assistencialista, politiqueiro, corremos o risco de desqualificar o seu sentido original e acabar, por fim, por força do uso nesse ou naquele sentido, não tendo nem palavras para qualificar as imoralidades e indecências, pois essas passaram a ocupar os sentidos de política. Vem isso a propósito um discurso do poeta Almada Negreiros sobre as qualidades de um povo. Dizia ele, “o povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem portugueses, só vos faltam as qualidades”.

UM OLHAR SOBRE CANUDOS

FOTO: Regina Xavier

Em 2 de dezembro de 1902 o jornalista e escritor, Euclides da Cunha (1866-1908), lançava o livro Os Sertões. A obra, inspirada numa apurada investigação jornalística ocorrida cinco anos antes, sobre o levante de um bando de esfarrapados sertanejos, liderados por Antônio Vicente Mendes de Maciel – O Conselheiro – supostamente contra o estado, transformou o seu autor num nome incontornável. Convertido numa das maiores obras da nossa literatura, ela influenciou grande autores como: Mário Vargas Llosa e Sandor Marai, que escreveram livros baseadas em Euclides da Cunha. Destacado pelo jornal O Estado de São Paulo para cobrir aquilo que os alarmados republicanos da época chamavam de um levante restaurador da monarquia, “a nossa Vendéia”, uma referencia à província francesa que, em 1793, havia se rebelado contra medidas fiscais adotadas pela Revolução de 1789; a obra de Euclides da Cunha se transformou em pouco tempo no quase único relato respeitado e aceito, entre os vários entusiastas e estudiosos de Canudos. O monopólio desse registro só foi quebrado quando entrou em curso outro nome nos estudos da história de Canudos, o do professor José Calasans (1915-2001). A gênese da trajetória desse estudioso, seus trabalhos e sua contribuição para historiografia baiana, são os temas do livro José Calasans: a história reconstruída trabalho de conclusão de curso do também professor e pesquisador Jairo Carvalho do Nascimento (n.1976), recém saído do prelo e dado a público no último dia 23, no auditório da UNEB. Nesse seu mais recente trabalho, Jairo apura o percurso desbravador do professor José Calasans, responsável por uma revisão completa na historiografia de Canudos, bem como por uma contribuição inestimável, até hoje insuperável, para os estudos regionais e locais na Bahia, destacando sua valorização da oralidade como fonte e objeto da história, “postura não compartilhada pela ampla maioria dos historiadores da época”, afirma Jairo. Depurado de acessórios o livro do professor Jairo tem vários méritos. Um dos quais é, não se deixar cair na tentação de emular o seu objeto de pesquisa. Tanto é assim, que Jairo, não obstante a insuspeitável contribuição de Calasans, não esconde que esse, também adotou posturas contraditórias durante o regime ditatorial que governou o Brasil de 64 a 85. E que ainda, em alguns momentos de seu trabalho de pesquisa, “chegou a aceitar a fonte sem fazer as críticas devidas” ou que, esse, destinou “pouca atenção às incursões interpretativas a partir de referências teóricas, uma particularidade verificada, por exemplo, na sua obra: Canudos: origem e desenvolvimento de um arraial messiânico”. Em parte, essas medidas se devem a postura interpretativa adotada por Calasans, que pertenceu a corrente historiográfica dos que pretendiam interpretar o Brasil a partir do Brasil, e não se filiou a esquemas interpretativos importados. Apoiado em trechos criteriosamente citados e comentados, pode-se dizer que nada ficou de fora desse trabalho. Uma extensa bibliografia, bem como uma bibliografia temática das obras de José Calasans, completa o livro, indispensável para quem queira melhor compreender José Calasans e um pouco de Brasil. O trabalho ainda pode ser lido fora dos círculos de especialistas, afinal ele foi construído numa prosa límpida e de fácil absorção, ler-se num fôlego.

MÚSICA AO AR LIVRE

FOTO: REGINA XAVIER

Nas ruas de Caetité, não obstante o frio que a essa época do ano deixa de ser normal e passa a assustador, em meio aos silvos de ventos gélidos e aos burburinhos dos carros que passam curiosos a bisbilhotar os cantos escuros, a espreita de algum caso; e dos bêbados que cantarolam tristes melodias, ouviu-se por toda parte, nessa última quarta-feira 16, uma outra música, muito mais antiga e alegre. A cidade inteira então correu a ver o que se passava. No átrio da Catedral Nossa Senhora Santana deram, com um improvável caminhão-palco, pronto para o pianista Arthur Moreira Lima, tocar algumas das músicas que se mantêm, alheias às flutuações dos gostos e dos momentos, preservadas perante possíveis contrariedades. A seguir, ameaçou chover. O céu cobriu-se de premonitórias manchas. Contudo, ninguém, que se abrigava ao relento da noite, arredou pé, caso contrário, teriam perdido as estonteantes proezas musicas de um solista virtuoso. Foram, pelo menos, uma hora e meia de absoluta comunhão, ou deveria dizer exorcismo, entre público e musico. Moreira Lima tem um repertório prodigioso, Bach, Beethoven, Chopin, Astro Piazzolla, Ernesto Nazareth, por isso, poderia ter continuado tocando por horas que ninguém cansaria de ouvir, ao menos, essa foi a impressão que ficou da reação vinda da platéia, extasiada com o som que vinha do palco de um caminhão.


CITAÇÃO, O1

Neil prova ser um autor versátil e talentoso. Foto: Thomás Levy

“os inimigos da literatura não são as pessoas que não compram os livros; são pessoas que não lêem”

HÁ VENDA DE INDULGÊNCIA NAS UNIVERSIDADES

FOTO: WILLIAM HOGART FAMOSO PINTOR INGLÊS QUE SE NOTABILIZOU PELA SÉRIE DE GRAVURAS CHAMADA "ASSUNTOS MORAIS MODERNOS".

Quem julgou que o problema era novo, avaliou errado. Há muito que ele vem ocorrendo sem nenhum impedimento. A mais de dois séculos Adam Smith já denunciava nas universidades de sua Escócia a venda de monografias e outros trabalhos acadêmicos por encomenda. A permanente prática dessa atitude vexatória desnuda o baixo grau de moralidade que permeia algumas de nossas universidades. Futuros doutores, professores e mestres, formados na malandragem, corrompem e desacreditam instituições ciosas de seu prestigio. Ninguém se pergunta, no entanto, por que tudo isso persiste. Tenho pra mim que essa prática nefasta se deve ao declínio abrupto da qualidade do corpo docente. Num ciclo vicioso de manutenção e reprodução, professores sem qualificação pedagógica mínima, sem produção cientifica (há uma ou outra honrosa exceção), e pior completamente desatualizados da nova produção literária, ascendem às cadeiras dos cursos das universidades. Esses, formados com a indulgência de alguns não exigirão dos seus, aquilo que não lhes foram exigidos; trabalho. O continuo depauperamento dos currículos e a falta de material bibliográfico, nas bibliotecas, contribui ainda para conservação dessa devassidão. Hoje já não surpreende ninguém cartazes oferecendo “trabalhos acadêmicos” em pleno mural da universidade. Não tarda é isso passa a ser uma constante. A cada dia tem uma degradação moral mais acentuada em todas as camadas da sociedade, observa o tropicalista Tom Zé. Nenhuma instancia se salva.


O ESTADO DESSE BLOG

Joseph Frank Keaton Jr. (Piqua, Kansas EUA 4 de outubro, de 1895 - Woodland Hills, Californis EUA, 1 de fevereiro, 1966), mais conhecido como Buster Keaton, foi ator e diretor de comédia que muitos consideraram superiores as de outro grande comediante, Charles Chaplin, o Carlitos. A característica básica de seus personagens era que eles não sorriam, estavam sempre de cara amarrada, num continuo ato de introspecção e larga tristeza.